Terminará o que começou...


A canção do meu Ano de Noviciado Shalom (Pacajus, 2001), “Um Novo Tempo”, foi, certamente, uma das canções mais marcantes daquele ano inesquecível. Canção esta que, quando cantada hoje com o coração e em oração, tem a impressionante força de nos animar na esperança e de nos renovar a confiança na graça de Deus, na Sua amorosa providência que faz com que a obra de Deus iniciada em nós chegue ao seu bom termo, da mesma forma que faz com que tudo concorra para o bem dos que O amam.  Assim diz a canção:
“Um novo tempo, nova manhã, nova esperança brotará; Um novo olhar que mudará, transformará todo meu ser. Nascerá novo amanhã, eu já posso ver, sei que posso crer que nascerá novo viver, Ele é fiel e Suas promessas cumprirá! Terminará o que começou, Ele fará um novo acontecer; Fará mesmo que eu não possa compreender. Nascerá novo amanhã...” (Cd. Tempo de Viver, CCSh. - Amanda Pinheiro)
Comentar essas linhas como eu gostaria era preciso espaço que aqui não tenho, porque são tão vivas e tão concretas as frases desta canção. Mas uma breve palavra: Deus termina sempre o que inicia nas nossas vidas. Sua obra nunca fica pela metade, porque “cada coisa tem sua resposta a seu tempo!” (Eclo 39,17). Evidentemente, como bem sabemos, dentro de nossa história existe um “fio de ouro” e ele não se despedaça quando o percurso muda. “Há muitos projetos no coração do homem, mas só o desígnio do Senhor se manterá!” (Pv 18,21). Como não lembrar a noite solene da Vigília de Páscoa, quando todos cantam no “Exultet”, o “Felix Culpa” de Santo Agostinho: “Ó pecado de Adão indispensável, pois o Cristo o dissolve em seu amor; ó culpa tão feliz que há merecido a graça de um tão grande Redentor”. 
Pois bem, Deus “terminará o que começou...”, e, pode-se perguntar: e o que Deus começou em nós? A resposta é pessoal! Nem sempre essa resposta corresponde ao que “é externo”, embora este seja muito importante, porque não pode haver “divisão entre o que somos dentro e fora”. Quando isso acontece, para que se chegue à harmonia, o percurso pode mudar, e não está isenta a dor, a dúvida, o medo e até o sentimento de desamparo, porque, na verdade, quase sempre não compreendemos a pedagogia do céu. É verdade absoluta que Deus não queria o pecado de Adão e Eva, mas sabia dessa possibilidade, porém, tirou um bem maior daquele “desastre”, fruto do poder que tem a liberdade em escolher a vida ou a morte. O “fio de ouro” da humanidade não se despedaçou, porque – dizem os Padres da Igreja -, “a recriação e a salvação do homem foram infinitamente mais belas do que a primeira criação”. Deus termina a Sua obra, não a que necessariamente arquitetamos, mas aquela que está nos Seus planos. “Quando o homem pensa que terminou, é então que Deus começa a sua obra; e quando dá por acabado, sua perplexidade permanece” (Eclo 18,7).     
“Nascerá novo amanhã, eu já posso ver!” Obrigado, Senhor, por este novo na minha vida que já posso contemplar! Concede a graça a todos aqueles que precisam reencontrar a esperança e reviver essa experiência. Trago comigo a alegria desta “nova manhã, deste novo viver”, e “ninguém a roubará de mim”, porque fiel é o Teu amor e surpreendentes os Teus desígnios (cf. Jo 16, 22).
Ant. Marcos - fevereiro de 2011

Ressignificar as ausências...


Lembro bem de um dia quando uma “menina” me contava em lágrimas sobre os temores que tinha com seu pai. Um pai que não fora próximo, não marcante o suficiente para ter imprimido nela aquela segurança de correr para os seus braços em qualquer época da vida, nas dores e alegrias, encontros e desencontros. O comportamento estranho de seu pai parecia expressar outras intenções, que não eram aquelas de cuidado e confiança. Falava-me das consequências do vício do álcool – ou das drogas - em sua vida e demonstrava-me aquele ar de tristeza, mesmo com as meias palavras que não escondiam o profundo desejo de que as coisas tivessem sido diferentes. Na verdade todos nós, vez por outra, desejamos que certas realidades em nossas vidas pudessem ter tido um desfecho diferente, ou pudéssemos voltar os dias para vivê-los numa outra perspectiva. O fato é que isso não é possível. Não temos “o poder” de atualizar o passado, porém, temos a capacidade de ressignificar esse passado, de modo que o “rio continue correndo”, como diz a espiritualidade do autoconhecimento e da reconciliação com nossa história de vida pessoal. Lembro ainda que, após ouvi-la, senti que sua dor não era pelos problemas ou pelas fraquezas de seu papai, porque todos nós temos nossos limites, porém, sua dor era a do desamor. Não ter o calor do amor dos que mais necessitamos pertos de nós, especialmente nos tempos de ouro da formação da personalidade, é algo doloroso, é mesmo um processo que deixará marcas. Vivi pessoalmente, em parte, essa experiência! Algo em nós futuramente denuncia que trazemos uma “ausência”. Porém, esta ausência nunca será “determinismo” ou tribunal de condenação, sentença de infelicidade, se soubermos conduzi-la para Deus, deixar que sua graça nos ilumine e nos ajude a crescer, ainda que como “dores de parto”, ainda que com perdas, mas perseguindo aquele segredo de João da Cruz: “Põe amor aí onde não tem, e colherás amor!” Os místicos não eram ingênuos, eles sabiam que “ninguém pode dar o que não tem”, mas existe alguém que pode nos dar o que não temos: Deus, com o seu amor que cura, que reata, que reconstrói as muralhas, que junta o que está em pedaços, que reconcilia o passado, que dá sentido ao presente e enche de esperança o futuro, que nos faz compreender que nossa vida - por mais acidentada que seja - não teve o seu “fio de ouro” despedaçado. Um dos filhos de Elisabeth Taylor (uma das maiores atrizes do cinema internacional de todos os tempos, falecida nesta última quarta, 23 de março, com 79 anos), afirmou: “O mundo é melhor por causa de minha mãe”. Muitos de nós gostaríamos de dizer isso com a nossa família, com o pai ou com a mãe, e nem sempre é possível, embora exista uma dimensão de gratidão a eles pelo simples fato de existirem, por serem nossos pais, pois a vida no projeto de Deus nunca é acidente. No entanto, o mundo dessas pessoas pode ser um pouco melhor com a nossa descoberta e decisão de partilhar com eles o perdão e o amor, aquecê-los com o amor que, talvez, não o tenhamos recebido o suficiente, mas que Deus nos ajudou a reencontrá-lo e podemos então dá-lo. Isto é ressignificar as ausências! É ter motivos suficientes para crer que nossa família é a melhor que Deus pensou para nós, não porque seja santa ou pecadora, mas porque marcada pela gratuidade do amor de Deus, portanto, digna também do nosso amor.

Ant. Marcos – Quaresma 2011

Vejo que és um profeta...

“(...) disseste bem, que não tens marido, pois tiveste cinco maridos, e o que tens agora não é o teu marido. Nisto falaste a verdade”. A mulher disse a Jesus: ‘Senhor, vejo que és um profeta!’’’ (Jo 4, 17-19).

O longo Evangelho deste 3º Domingo da Quaresma (Jo 4,5-42), que nos apresenta o sempre fascinante encontro e diálogo de Jesus com a Samaritana, no Poço de Jacó, nos proporciona fazer algumas meditações preciosas, sobretudo no tocante à Pessoa de Jesus como “a verdadeira fonte que sacia a nossa sede de felicidade”. A minha vem aqui expressa de forma breve, após ser meditada e associada à vida. Somente quando Jesus consegue entrar na intimidade daquela mulher, preparado delicadamente pelo diálogo anterior, é que a faz convencida de que Aquele homem era um profeta. Ninguém revela sua intimidade a quem não tem confiança, muito menos permite que se entre no coração quem não sabe respeitar o direito sagrado da intimidade dos outros. Há uma “sede pela água viva” em cada coração, proveniente das jornadas pessoais nos nossos desertos. Revelar esta sede a quem não tem água viva para nos dar pode ser oportunidade para a morte. Jesus pede água àquela mulher, mas sabe aonde quer chegar. Mais do que a água, Jesus queria o amor daquela mulher, porque Deus tem sede do homem. Jesus procura o pecador não para condená-lo, mas para salvá-lo, e para isso, - como é belo ver – é capaz de se humilhar, de passar como ridículo, quando sendo judeu decide pedir água a uma Samaritana. Lembrei das ocasiões nas quais me passei por ridículo para comunicar a salvação de Jesus Cristo aos outros, mas também lembro as minhas omissões por medo e timidez. Dentro daquela cultura tão legalista Jesus corria riscos toda hora para amar e salvar. Também aquela Samaritana correu riscos ao se permitir dialogar com um judeu, além do mais estranho. Mas, bendita coragem que lhe permitiu a salvação e a de muitos de sua cidade. Entrar na intimidade dos outros não é fácil, é delicado, exige que tenhamos água viva para dar, que é Deus, não nós mesmos, muito menos nossos saberes e julgamentos. Exige muita cautela nas nossas palavras e conclusões, e nunca esqueçamos que a intimidade dos outros é o que há de mais sagrado. Com esta intimidade nas mãos nós podemos levar o outro à salvação ou à condenação. Podemos proteger melhor ou difamar essa intimidade. Vejo que és um profeta... Vejo que és um homem de Deus, uma mulher de Deus e que tua intenção é unicamente de me amar e me salvar. Quisera Deus que as pessoas tivessem sempre essa conclusão de nós. Quantas vezes nos aproximamos dos outros e não estamos dispostos a dar a água vida, muito menos proteger a água viva do outro, a sua fé, seus valores, sua ingenuidade, sua reta intenção e pureza. Quantas vezes entramos na intimidade da dor e do sofrimento dos outros não para curar, mas para tirar vantagem, seja material ou espiritual, e assim acabamos deixando o outro a beber água ainda mais suja. “Senhor, vejo que és um profeta! Ajuda-me a proteger a intimidade dos outros, a respeitar a sacralidade de suas consciências, de seus segredos, de suas dores e alegrias. Ajuda-me a correr os riscos necessários para amar e salvar, não para destruir os outros e deixá-los distantes da água viva, da tua salvação! Dá-me a tua graça, Senhor.


Ant. Marcos – Quaresma 2011.

Preciso de papel e caneta...

Ao longo dos anos até aqui tenho recebido dos meus amigos e amigas, muitos cartões e bilhetes como forma de expressão do amor de amizade e como gratidão simplesmente pela arte de dar significado e visibilidade à história de nossas relações, não para os outros evidentemente, mas para nós mesmos. Os bilhetes são detalhes, mas fazem uma diferença enorme porque na simplicidade e transparência, criatividade e espontaneidade, revelam segredos do coração, manifestam um jeito carinhoso de cuidarmos do cultivo da amizade e de manifestarmos o nosso amor de gratidão. Sei que Deus gosta muito de agir através dos detalhes e das coisas simples. Às vezes as pessoas queridas costumam me dizer que até desejam me dar um bilhete, mas pensam que seriam esteticamente inferiores aos meus, o que é uma grande bobagem, porque o bilhete não é uma devolução, muito menos uma comparação estética, mas um gesto original de uma pessoa única e que traz uma demonstração de carinho, uma confissão pessoal ou uma única frase de saudade, um pedido de oração ou mesmo de desculpas. O bilhete leva um pedaço ou muito de nós, especialmente porque é manuscrito e nasce de dentro, daquilo que vivemos e sentimos, das nossas alegrias e dores, encontros e esperanças. Quão importante é lembrar ainda que o bilhete parece unir as mãos ao coração. Aquele “simples papel” que antes estivera nas mãos do amigo - mesmo separado por fronteiras -, agora se encontra nas minhas, posso tocá-lo, senti-lo e lê-lo como parte de mim. Assim a criatividade do amor de amizade se faz fascinante. Quantos bilhetes tão originais e surpreendentes me foram presenteados! Às vezes ficava impressionado com os detalhes: eles chegavam em vidros, em pedras, em livros, através de música, poesia, partilhas, tudo fruto das raízes da amizade. O bilhete não esconde o segredo de ter nascido durante a noite, entre as lágrimas, ou na alegria de qualquer hora, porém, sempre timbrado pela necessidade de cuidar daquilo que é tão íntimo ao outro. É uma decisão pessoal, gosto de guardar muito intimamente os bilhetes de meus amigos. Não os tenho todos, evidentemente, mas alguns ainda se conservam não por causa da estética, das palavras bonitas, mas por serem bilhetes de contextos de profunda providência de Deus e, por mais simples que fossem, trouxeram-me grande alento. Lembro de um “bilhete” me mandado por um amigo e que continha as seguintes palavras escritas numa folha de árvore: “Amigo, desprender-se e deixar Deus conduzir é nossa felicidade! Saudade!” A folha se desfez com o tempo, mas as palavras não! É uma pena que escrevamos tão pouco em nossos dias. Os bilhetes caem em desuso, não temos mais tempo, estamos ocupados demais com os “bilhetes da tecnologia”, porém, assim como os livros de papel, penso que eles se conservarão entre os que compreendem que o amor de amizade tem seus detalhes criativos e seus mistérios que transcendem o tempo e as vicissitudes de um mundo solitário, o qual precisa vencer o desafio de relações pouco originais, pra não dizer, superficiais, mudos de palavras e de expressões de amor. Para mim os bilhetes são detalhes, mas detalhes importantes. Estava pensando aqui comigo: faz dias que não escrevo um bilhete! Preciso de papel e caneta...

Ant. Marcos -  janeiro de 2011

O fio de grama...

Pasmo! Foi como fiquei interiormente quando, depois de falar sobre a importância dos pequenos gestos de reconciliação aos meus pequenos alunos, “amigos da Sophia”, um deles me procurou no final da aula e me relatou uma experiência que vivera com seu avô. Ela o havia ofendido por uma situação de raiva, mas logo o procurou para pedir desculpas. O avô a olhou e disse: “Filha, desculpas não se encaixam! Não entendeu? Explico-lhe”. Pegando um fio de grama que estava sob seus pés, partiu-o ao meio e lhe entregou, dizendo: “tente encaixá-lo!” No que ela não conseguiu, ouviu como conclusão: “As pessoas se utilizam do pedido de desculpas como se isso resolvesse nossos erros e o que causamos aos outros. Portanto, desculpas não se encaixam!” Ela se retirou muito confusa com aquela reação do avô, pois, trata-se de uma garota de apenas 10 anos de idade. E, perguntei-lhe: você acreditou naquilo? “Não, tio! Não acreditei e agora, depois de ouvi-lo na aula falar sobre a importância dos pequenos gestos como o pedido de desculpas, mais ainda me convenceu de que meu avô não estava certo”. Fiquei emocionado e passei dias pensando nesse acontecimento! Não tive tempo de falar sobre as possíveis razões que levaram seu avô a tais “afirmações infelizes” para uma neta de 10 anos que está em processo de assimilação dos valores, pois poderia ter causado uma tragédia irreversível, porém, eu sei, nós sabemos que o pedido de desculpas e perdão pode até não ser sincero e não mostrar aquela disposição interna para uma mudança, no entanto, se o outro não é sincero, nós temos a “obrigação” de o ser porque perdoar sinceramente independe se o outro vai assimilar uma mudança de vida ou não. O que não significa omissão na ajuda no processo de conscientização do outro, expondo-lhe, se conveniente e com caridade, a verdade para ajudá-lo a ver as máscaras. O fato é que a “matemática e a fria lógica do fio de grama” não é a lógica do Evangelho, que ama sem cálculo “até o extremo!” Bendita ocasião que me favoreceu um aprendizado inesquecível. Graças a Deus, nós saímos daquela rápida conversa ainda mais convencidos de que “desculpas se encaixam!”.
Ant. Marcos – março de 2011.

As únicas páginas do Evangelho...

Não precisamos ter medo das pessoas que pensam diferente de nós. A diversidade não é uma ameaça, mas uma riqueza. Penso que muitas vezes impomos fronteiras no diálogo por medo de perdermos nossas convicções. Se é assim, então essas convicções não têm consistência. Melhor mesmo é usufruir da arte e da sabedoria de aprendermos a ouvir as pessoas. Quando há reação contra os valores que vivemos e expressamos, é porque, talvez, haja motivos para essa atitude. Condenar nunca edifica! Escutemos as críticas dos outros e saibamos com sabedoria e inteligência dizer o que pensamos e no que acreditamos, conscientes de que isso não é tão fácil, mas salutar, necessário. As pessoas precisam e querem o Bom, o Belo, a Vida, ou seja, querem a Deus, mas nem sempre sabem expressar a melhor maneira de reclamar isso para suas vidas. Nas reações deve haver sempre uma leitura preciosa das entrelinhas. O desejo de Deus está escrito no coração do homem. Todos queremos ser felizes, por isso temos que ter a coragem de propor o Evangelho, de forma atraente, conquistadora, não impondo, "exigindo conversão" dos outros. Uma coisa é certa: as pessoas estão muito atentas ao nosso modo de viver e agir. Há uma necessidade quase que desesperadora por testemunhos, por exemplos de vida. Para muitos que cruzam o nosso cotidiano ou participam, de alguma forma, de nossa convivência, seremos as únicas páginas do Evangelho acessíveis a elas. Não é fácil a fidelidade, mas a graça de Deus é o nosso fundamental auxílio. Estamos sempre a escolher outra vez a vida nova para partilhá-la aos outros! Não tenhamos medo!
Ant. Marcos - novembro de 2010

Dentro estás, se dentro estás...

Eu não saberia dizer o que nos leva além das palavras e mesmo dos gestos, para que alguém se torne tão vivo dentro de nós, tão presente, tão construtivo. Nem mesmo poeta eu sou para traduzir essa dádiva divina e esse mistério. Quisera Deus eu tivesse um pouquinho do talento de Homero, de Dante, de Dostoiévski, de Drummond, de Clarice ou, quem sabe, das linhas sapienciais dos Escritos Divinos. Sim, não sei ainda dizer como se deve amar, mas sei que há pessoas que na simplicidade e na beleza do que são por dentro, ensinam-me a amar, a acreditar outra vez na vida, nos sonhos, na arte de recomeçar olhando para as surpresas de Deus, pois elas nunca se esgotam. Talvez esta seja a única coisa que eu sei: estou reaprendendo a amar, não nos livros, não nas letras e canções, mas nas páginas da vida de algumas pessoas que já existem aqui dentro e que me ajudam a sair do meu casulo. As lágrimas de ontem , agora eu sei, foram necessárias, mas hoje eu “posso até ficar triste”, mas insisto em voltar-me para o nascente. Hoje, exatamente hoje, o sol nascerá outra vez e alegrar-me-ei! Obrigado, amigos, é muito bom tê-los aqui próximos, porque, como diz a canção, “dentro estás, se dentro estás”. Os amigos nos ajudam a ver o mundo por outro ângulo!
Ant. Marcos - janeiro de 2011

Era muito fácil fazê-lo feliz!

Recebi nesses dias uma mensagem telefônica de uma pessoa muito querida da Bahia, Valéria Morais, através da qual me partilhou uma experiência muito forte e que me fez pensar algumas coisas sobre o exercício do amor ao outro, a convivência com quem se ama, a alegria do encontro, o mistério da brevidade da vida e a urgência de fazermos de cada instante um momento único para gerar felicidade, especialmente àquela, aquele que fora confiado pela providência divina para participar de nossa realização afetiva. Dizia o texto: “Hoje peguei o ônibus e encontrei uma amiga que há meses não a via. Perguntei-lhe o motivo de não estar mais indo à Igreja. Ela me respondeu que o namorado havia falecido e estava difícil sem ele. Tomei um susto! Não sabia da sua morte. Ela me relatou ainda dos momentos finais que passara com ele, o que até a fez sorrir na minha presença. E Confidenciou-me: ‘Era muito fácil fazê-lo feliz! ’” Inevitavelmente lembrei as “linhas literárias” de Adélia Prado: “A gente sai para pescar a dois, ainda que deteste pescar. Ah, e não se suporta o cheiro do peixe não cozido, mas se vai à cozinha e lá corre um vento gelado que acaba aquecido com o calor do nosso amor, com o nosso desejo e prazer de se estar ali, tão perto de quem se ama. O importante é estar perto, o resto é detalhe!” O amor é mesmo uma vocação, uma celebração, uma relação; o amor é entrega, é criatividade, é certeza de que ele tem sempre uma estreita ligação com o que tende a perdurar, ainda que o amante se vá. Não é difícil fazer o outro feliz! Não é difícil amar quando o amor em nós é autêntico, é vocação, é celebração! Ah, eu creio, a gente volta sempre - mais cedo ou mais tarde - para a Igreja, aliás, volta-se para Deus, pois o amor verdadeiro não pode vir de outro lugar, se não d’Ele. 

Ant. Marcos – março de 2011. 


Amigo, sofre comigo...


Meditando a Liturgia da Palavra do 2º Domingo da Quaresma, debrucei-me sobre o sentido das palavras de Paulo a Timóteo (1,8-10): “Sofre comigo pelo Evangelho, fortificado pelo poder de Deus”. E pensei: se as palavras humanas, as nossas “linhas e reticências”, nos purificam, nos provam e nos levam, tantas vezes, ao cadinho da humilhação, muito mais as palavras do Evangelho. Esse sofrimento pelas coisas de Deus não é possível suportá-lo sozinhos, precisamos estar fortificados pelo próprio Deus. Perseverar nas palavras do Evangelho, não obstante nossas fraquezas, é ação da graça que requer um preço muito concreto. Não que a salvação seja negociada, pois ela já foi conquistada gratuitamente por Cristo na cruz com o preço do seu sangue. Entretanto, as coisas de Deus inevitavelmente nos expõem porque o Evangelho não pode ser escondido. O que é bom em nós tem força de conquista e atração. Quem de fato o encontrou é impelido a anunciá-lo! Mas também, quem o encontrou, não significa que nunca possa perdê-lo. Ainda quem teve a graça de “subir ao monte da transfiguração” (cf. Mt 17,1-9) não significa que lá na frente não venha a dizer “Eu não conheço este homem”.  Por isso o Salmista canta confiante não nas suas forças, mas na graça: “Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, venha a vossa salvação!” (Sl 32/33). Esta salvação é a que suplicamos, de forma especial, neste Tempo da Quaresma: a salvação não para os salvos somente, mas, especialmente, para os perdidos, para os que sofrem tantas dores, para os que ficaram pelo caminho; suplicamos a salvação para os que não hesitam em pedir humildemente ao amigo: “Sofre comigo pelo Evangelho! Ajuda-me a não negá-lo por medo de minhas fraquezas, de meus pecados e por medo da humilhação!” “Levantai-vos, e não tenhais medo!” Não posso deixar de dizer que a meditação desses textos me fez ainda vislumbrar o quanto Deus se utiliza do homem, do “próximo”, para nos fazer chegar a sua salvação. Abraão, Paulo, Timóteo e os discípulos da Transfiguração são personagens de um desígnio, o desígnio de Deus que é Jesus Cristo. Tudo deve estar voltado para Ele. “Todos devemos escutá-Lo!” É nesse processo de “escuta de Deus” que podemos compreender quais terras precisamos abandonar, para qual devemos ir. É o processo de escuta de Deus que me fará ter a coragem humilde de dizer ao amigo: “sofre comigo pelo Evangelho!”. E a escuta fundamental vem das experiências consoladoras de “Transfiguração”, daí que a palavra de ordem final é: “Meu filho, eu te sustento. Levanta-te e desce o monte, sofre comigo pelo Evangelho e não tenhas medo das tuas fraquezas, apenas esteja disposto a sempre se colocar de pé e prosseguir!”. 

Ant. Marcos – 20 de março de 2011.  

O silêncio das palavras... as palavras do amor!


A vida de São José foi sempre muito intrigante para mim. Lembro de muito cedo, ainda quando comecei a manusear as páginas da bíblia, logo me despertou a curiosidade pelas palavras de José. Mas, pra minha frustração, não as encontrei em lugar algum. Sem compreender ficava a perguntar-me o porquê de seu silêncio. Por que Deus escondeu José? Por que José aceitou esse escondimento? Por que Maria não reclamava a José para que falasse alguma coisa, afinal, no seu tempo não eram os homens que mais falavam e já as mulheres quase nada podiam dizer? Lembro que até julguei os evangelistas por eles não terem escutado suficientemente o Espírito Santo (mas já pedi perdão a Deus e a eles por esta heresia), pois sempre achava injusto esse silêncio de José. Mas foi a contemplação de Deus na vida de José e de suas ações que me fez entender um pouco essa sua kenosis. Aliás, Deus nos ensina sobre o silêncio de José quando nos manda contemplar o exercício e a força do amor na vida deste varão, homem justo: amor que sabe cuidar, servir, proteger, promover, educar pelo testemunho... Quem vive assim não tem muita necessidade de palavras. O amor não espera reconhecimento, não briga pelas palavras, pelos discursos, pelas retóricas, apenas quer amar. Ao longo desses anos conheci e convivi com muitos homens, amigos, irmãos, celibatários, padres, esposos, pais que vivem esse tipo de amor. E aqui entre nós, é muito intrigante, desconcertante, estimulante, melhor falando, é experiência de conversão! Mas, chega de palavras! Eu só quero dizer que amo a São José e que sou muito grato pelo silêncio de suas palavras... pelas palavras do seu amor! Deus me ajude e ajude a você que agora lê essas linhas a vivermos essa virtude. Rezo ainda a São José por todos os esposos e pais para que aprendam o segredo das palavras do amor que cuida, que ama até o fim.

“São José, a vós nosso amor. Sede nosso bom protetor, aumentai o nosso fervor”.

Ant. Marcos – 19 de maço de 2011

...eu te amo!

Por que alguns gestos tão simples se tornam capazes de ressuscitar nossas vidas desse formalismo das palavras, das etiquetas de alguns comportamentos e até da matemática dos sentimentos, como ainda do adiamento na demonstração do quanto as pessoas são importantes para nós? Mas eu preciso dizer e com alegria que mais uma vez um gesto desses a me surpreender nesses dias veio de uma criança, de minha sobrinha Jeane de apenas 8 anos. Lembro que no inicio da semana a vi na sala mexendo em papéis, logo me solicitou a cola e imaginei que se tratasse de “coisas de criança”. Entreguei-lhe sem perguntar no que a utilizaria. No outro dia abri despretensiosamente a caixa dos correios e, pra minha surpresa, havia uma correspondência, mas logo percebi a singeleza do formato artesanal. Não era uma carta oficial, quero dizer, formal, era uma prova de amor. O envelope havia sido feito da folha do caderno, nas suas linhas coloridas. Devidamente colada, percebi que continha fora apenas o nome de minha sobrinha, escrito a lápis, Jeane. Perguntei-lhe do que se tratava e não hesitou em me responder: “é uma carta pra minha avó!” Ainda fui insensível ao perguntar-lhe: “Mas, o que está escrito? Por que a fizeste?” Ela, sem graça, apenas sorriu e novamente me disse: é pra minha avó! Entendi que ela queria me dizer que "provas de amor não têm explicação, apenas interessa  identificar a quem se quer amar, exatamente por ter um valor especial para nós!" Então, devolvi a carta no mesmo lugar e avisei minha mãe sobre a mesma. No que abriu, sorrindo e feliz, estava escrito uma única frase: Minha avó Francisca, eu te amo! Benditas coisas de criança que deveriam nos acompanhar nas coisas de adulto. A caixinha do coração seria mais feliz e nós não seríamos tão insensíveis na falta de criatividade e no domínio do medo para simplesmente dizer: ...eu te amo! 

Ant. Marcos – março de 2011.  

O amor é hoje!

É maravilhoso saber do que de bom acontece aos outros, especialmente àqueles a quem amamos ou simplesmente queremos-lhes o bem. Concretamente posso testemunhar isso com a aprovação de Daiane para o Curso de Psicologia na UFBA (Vitória da Conquista) e de Andréia para Letras na UFC. Assim como é doloroso saber que o mal, o sofrimento, a enfermidade ou a morte alcançou a quem significa tanto para nós. Soube nesses dias passados da páscoa de um jovem da Obra Shalom de Brasília, consequência de um acidente de trânsito. Vanderli era um amigo muito querido e que marcou minha vida durante o ano em que morei em Brasília, 2006. Éramos do ministério de evangelização shalom e tivemos oportunidade de partilharmos nossas alegrias e dores, fragilidades e esperanças. Admirava-o muito por sua simplicidade e sua persistência nos caminhos de Deus apesar de ser tão fraco. Tive a honra de conquistar a sua estima e a dignidade de sua amizade. Suas provas de amor à minha pessoa eram feitas de modo que ninguém as percebesse, era o seu jeito de ser, o que me edificava. Jovem sincero, pobre de coração, rico de amor e honestidade, muito acrescentou à minha existência. Vários irmãos me passaram e-mail comunicando sua páscoa, o que me deixou profundamente triste, mas que logo me fez rezar pelo céu de Vanderli e a agradecer a Deus e à Obra Shalom pela oportunidade de conhecê-lo. Inevitável não lembrar o relato “dramático” de Santo Agostinho quando perdera um amigo querido: “Somente as lágrimas me eram doces e substituíam o amigo no conforto do meu espírito” (Confissões, L.IV, 4,9). No e-mail resposta aos irmãos de BSB, escrevi: “Santa Teresinha nos ensina que para amarmos só temos o hoje! Portanto, cuidem uns dos outros no tempo que se chama hoje, no amor que é hoje!” Concluo com o misto de sentimento de alegria e dor, fazendo minhas as palavras do próprio Agostinho: “Senhor, como é impenetrável o abismo de Tuas decisões!” Amigo Vanderli, obrigado por tudo! Interceda por mim e pelo novo de Deus que se inicia na vida dessas duas amigas!

Ant. Marcos – fevereiro de 2011.

O amor não é cálculo...

Quantas pessoas me levam a ser melhor sem que o saibam disso, e não fazem coisas extraordinárias, muito menos chamam a atenção para si, apenas fazem da sua vida uma relação de amizade com Deus, “querem corresponder ao amor de Cristo por uma vida santa”. É certo que trazem em si uma beleza interior e, não obstante suas fraquezas e limitações, gostam muito do sorriso, dedicam-se à caridade fraterna e andam de mãos dadas com o entusiasmo concedido pela fé e conversam sempre com a esperança. São pessoas, algumas delas amigos e amigas, que despertam em mim aquela santa inquietação e salutar necessidade de progredir. Alguns até chamam isso de “santa inveja”, o sentimento que provoca em nós os virtuosos, se é que podemos falar assim. O fato é que gosto da “ação de quem corresponde” porque implica uma resposta, uma ação da liberdade, um querer, um desejar. Isso abre a porta do coração para a ação da graça que “não quer nos salvar sem a nossa colaboração”. Ah, quantas pessoas, se eu fosse contá-las... Na verdade, já não seria virtude, porque “o amor não é contabilizável”, diria Teresinha do Menino Jesus. O amor não é cálculo, é celebração e gratidão!
Ant. Marcos – março de 2011

Minha Quaresma

Estava pensando nesses dias que deveríamos rezar mesmo pelas pessoas que nos pedem oração, ainda que uma oração simples e mínima. Como Igreja é maravilhoso perceber que nós rezamos juntos a pedir que Deus nos conceda a maior de todas as graças: “progredir no conhecimento de Jesus Cristo” (Oração do Dia, 1º Domingo da Quaresma). Gosto da palavra “progredir” porque implica processo que comporta tempo, passos, quedas, recomeços e decisões. Importa que o desejo da amizade com Jesus não cesse em nós e que possamos dar passos. Também quando rezamos pelos outros precisamos esperar que eles “progridam”, não como queremos ou desejamos, mas como Deus permite segundo a abertura do outro. Progredir implica paciência, e paciência pede amor. Só o amor é capaz de esperar contra toda desesperança. Só amor não sufoca o passado, nem condena a pessoa que o viveu, utiliza-o como “escola para o hoje” na esperança de um progresso a caminho do amanhã.
Minha Quaresma decorre especialmente na vivência desta súplica: “Concedei-me, ó Deus, a graça de progredir na amizade com Jesus, na correspondência ao Seu amor por uma vida santa”. Se eu for santo, os outros serão melhores! Mas não peço somente por mim, mas por tantas pessoas que sei que precisam ou que se recomendaram às minhas orações. Ultimamente as pessoas têm me pedido muito que reze por elas, e não posso deixar de ver isso como uma missão que Deus me confia. Portanto, quero rezar pelas pessoas, porque isso me faz ter esperança de que o amor e a providência de Deus têm a última palavra em suas vidas. Quero ser como as mãos do sacerdote, partilhar aos outros o maior tesouro que tenho: Jesus Cristo.
Feliz Tempo da Quaresma!
Ant. Marcos – Cinzas, Quaresma de 2011

Jardim

Tenho olhado minha querida mãe nesses últimos dias e tenho desejado tanto amá-la mais através do cuidado! O corpo vai dando sinais de cansaço e suas dores parecem me deixar inquieto, impotente, e sei que não posso ter medo, mas se o tenho, por que temê-lo? Eu quero estar aqui, precisava estar aqui, e não há coisa mais importante do que estarmos ao lado de quem amamos na hora de sua dor! Por que ainda quero pensar que os acidentes nos surpreendem cegamente como se não existisse um fio condutor? Mas, estou pensando isso? Sim, os que creem também tem seus momentos de dúvida, de incertezas, de perguntas. Os que creem também precisam de alguém que lhes diga: amigo, coragem, confiança, fé! Agora me lembro bem de uns poucos meses atrás quando uma “pequena amiga” passou a me dizer: “tenha fé, vai dar tudo certo!” Isso é lindo, é Igreja, é comunhão, é aquela contínua necessidade da consciência de que “somos pó, frágeis” e que não se trata de ser “ondas ao vento”, de ter as convicções na inconsistência, mas, penso eu, são as experiências do jardim: “Minha alma está triste..., permanecei aqui e vigiai comigo” (Mt 26, 36-40). Obrigado amigos, Deus me ensine a “estar com vocês”, ainda que pelo coração, em seus jardins!  
  
Ant. Marcos – 16 de março de 2011