Obrigado João Paulo II, obrigado Moysés!


Os primeiros anos da juventude decorreram com uma intensa procura pela felicidade, digo, por um sentido existencial que desse rumo, contorno e realização aos meus anseios mais profundos. Digo sempre que a Crisma foi o momento decisivo na minha vida, pois tudo mudou dentro de mim. Alguma coisa me deixou mais inquieto e sedento de Deus, e sabia que se tratava da ação do Espírito Santo. Quando Ele encontra espaço dentro de nós logo acontece um derramamento, uma efusão, uma obra nova. Tal inquietação me levou à experiência com a espiritualidade da Renovação Carismática e em seguida ao retiro de carnaval chamado Renascer, promovido pela Comunidade Católica Shalom, 1995. Foi lá que fiz o meu Seminário de Vida no Espírito Santo e foi selado para sempre em mim a certeza de que nunca seria feliz sem Jesus Cristo. Onde quer que eu fosse ou decisão tomasse, Jesus precisaria ser a “pedra Angular” da construção. Mas lembro que quando cheguei ao Renascer no primeiro dia, estava começando a pregação sobre o amor de Deus. O pregador era um jovem um pouco magro, mas de uma empolgação impressionante e falava com autoridade, com paixão, com sedução. Logo me certifiquei que se tratava do Moysés. Tudo o que falou ali transformou muita gente, especialmente quando nos relatou do amor que João Paulo II tinha pelos jovens. Disse ainda que ele os olhava como Cristo olhou e amou o jovem rico. Fui pego com a primeira isca, pois sedento estava o meu coração para deixar Jesus ser definitivamente o meu sentido de vida. Claro que a gente às vezes é muito resistente e quer se entregar por partes. É evidente – como sei até hoje – que isso é mesmo paralisante, temos de vencer esta tentação do medo de dar-se completamente aos desígnios de Deus. Pois bem, nesse contexto, lembro que o Moysés - já coordenando a oração - proclamou o seguinte: “Aqui se encontra um jovem que teve uma experiência na sua infância de ter “sido olhado por Jesus” e aquela imagem nunca saiu da sua memória. Pois saiba que foi Jesus que te trouxe aqui e que ele quer transformar a tua vida”. Imediatamente a imagem dos olhos do papa e sua benção me veio na lembrança de quando tinha 6 anos e comecei a chorar descompensadamente. Jesus me revelava ali, depois de anos, que era ele na pessoa do papa e que me olhou com amor e predileção. Eu e Cristo voltávamos a nos ver, agora mediado pela oração e pessoa do Moysés. Bendito seja Deus que faz tudo concorrer para o bem dos que o amam. Nós podemos até esquecê-lo, mas Ele não se esquece de nós. Seu olhar de misericórdia e predileção nos alcança porque sua bondade excede nossas fraquezas. Era Jesus no papa João Paulo II quando me olhou naquele encontro nada extraordinário, o que parece algo tão óbvio, mas na verdade sinalizava o começo de uma amizade que desejo muito nunca chegue ao fim. Obrigado João Paulo II, obrigado Moysés! 
Ant. Marcos – Páscoa de 2011     

Eu e João Paulo II nos olhamos!


No ano de 1980 lembro bem que antes mesmo de começar a estudar, estando eu a morar em Fortaleza há poucos meses, criança com apenas 6 anos de idade, o Papa João Paulo II veio pela primeira vez ao Brasil. No dia 09 de julho desembarcou em Fortaleza para a inauguração do Congresso Eucarístico Nacional. Foi nesta ocasião – bem sabemos – que se deu o encontro do Moysés com o Santo Padre, no estádio Castelão. O Moysés ofertou sua vida e juventude pela evangelização e assim a Comunidade Shalom, sem ele saber, nascia ali aos pés de Pedro. Dois anos depois, 9 de julho de 1982, dava-se a fundação do primeiro Centro de Evangelização com a inauguração da lanchonete Shalom. Pois é, neste mesmo dia, quando o papa voltava do estádio Castelão no papa móvel, dirigindo-se ao Seminário da Prainha onde aconteceria o Congresso, as pessoas da minha família correram pra avenida e também me levaram. Pra nossa felicidade no exato momento que lá chegamos, contemplamos o papa que ia passando. Recordo-me bem que ele olhou para o lado em que eu estava e traçou o sinal da cruz abençoando. A distância era de apenas 5 metros e lembro que os olhos dele me pareceram olhar para baixo e fitar aquela criança, pois, naquele lugar eu era a única criança, embora muitos adultos estivessem ali. Claro, o gesto é comum e repetitivo quando o papa passa em qualquer lugar, mas Deus torna os acontecimentos únicos para nós porque ele nos olha individualmente. O fato é que eu e o papa nos olhamos e foi muito marcante, tanto que foram impressos na minha memória a imagem do rosto sorridente e o seu gesto. No decorrer dos meus anos de adolescência e juventude, misteriosamente, sempre que vivia momentos fortes sejam de dores ou alegrias, a lembrança daquela cena voltava. Embora amasse o papa, não entendia os motivos que me faziam tanto lembrar aquele encontro. Somente a experiência com a Pessoa de Jesus Cristo através da Crisma e do Seminário de Vida no Espírito Santo foi que Deus passou a me revelar o segredo “daquele olhar” entre eu e o papa. Na verdade tratava-se do “olhar de Cristo” a mim como sinal do seu amor, de seu cuidado misericordioso, de sua predileção. Certamente para mim isso explica o meu profundo desejo por Deus e meu amor à Igreja já nos meus anos de adolescência a prolongar-se na juventude. Nas minhas procuras e encontros o meu coração se reportava sempre “àquele olhar”. Deus se antecipa a nós e se utiliza dos fatos e circunstâncias para manifestar os seus desígnios, exatamente como fez a Natanael: “Antes que Filipe te chamasse, eu te vi quanto estavas sob a figueira” (Jo 1,48). Nada é acidente, tudo é providência.  
Ant. Marcos – Páscoa de 2011

Ontem fui criança que aprendi a amar o papa...

O papa João Paulo II entrou na minha vida bem cedo. Antes de contar minha experiência de encontro com ele, quero lembrar primeiramente e com alegria que a maneira feliz com que associávamos a imagem do papa às nossas vidas – nas gerações anteriores - era algo muito comum, presente desde a infância no imaginário das crianças de famílias católicas. Já na catequese aprendíamos a amar o papa como aquele que “representava Jesus Cristo”; o papa era visto como um homem santo, sagrado, que provocava em nós muito respeito e devoção. Aquele “vestido” branco do papa era algo bonito de ver, pois nos emocionava. Os pais ensinavam bem cedo às crianças que devíamos rezar pelo papa porque ele era pai, pastor maior do rebanho de Deus. Embora não entendêssemos muito, o fato é que o amávamos de verdade, como filhos. Tratava-se de um verdadeiro mistério de amor. Claro, tudo isso passou a fazer parte com mais intensidade de nosso país e cultura cristã católica depois que João Paulo II (eleito em 1978) veio ao Brasil (1980), o primeiro Sumo Pontífice em terras brasileiras. Ainda me lembro que as casas dos católicos eram sempre adornadas com uma foto do papa na varanda ou na sala. A casa mais humilde tinha sempre uma foto do papa. Quem já teve a oportunidade de ler os “Escritos” da Comunidade Católica Shalom, pode lembrar que no Histórico sobre a fundação, enquanto se procurava a Casa, foi exatamente a foto do papa João Paulo II na varanda de uma delas que fez com que aqueles jovens (entre eles o Moysés Azevedo), lessem como sinal de Deus de que era aquela casa. Uma ingenuidade da qual Deus se utilizava para manifestar seus prodígios, sua vontade. Não vejo isso como saudosismo, mas como lembrança cristã importante, inclusive, gestos e sentimentos que deveriam retornar entre nós católicos, entre as famílias e na educação das crianças. Como é belo ter vivido tudo isso na minha vida. Ontem fui criança que aprendi a amar o papa e hoje o vejo “posto aos altares” como modelo para a nossa caminhada cristã, sendo proclamado beato. Ainda que não fosse uma declaração oficial, aquele amor e respeito que aprendi a ter pelo papa já me convenciam de que era um homem que resplandecia santidade. Não estava errado. De fato, era um homem de Deus! 

Ant. Marcos - Páscoa de 2011

Somos nascidos de novo. Aleluia!

No dia de ontem, 23 de abril de 2011, Sábado Santo, reunido com Maria e a rezar na espera do “Grande Dia de Páscoa”, lembrava que estava completando exato um ano que deixei a Comunidade de Vida Shalom, não a fé, muito menos a “vida missionária”, porque o mandato do Batismo para o anúncio de Jesus é irrevogável, como irrevogável é a vocação à santidade. Ao chegar a Solene Noite da Vigília, segurando a vela acesa, tive a feliz oportunidade de renovar as minhas promessas batismais, reunido em torno do Sucessor de Pedro e dos meus irmãos de fé. Tudo marca um novo tempo, uma realidade nova, exatamente como cantávamos com as velas acesas na mão enquanto éramos aspergidos: “Banhados em Cristo somos uma nova criatura. As coisas antigas já se passaram, somos nascidos de novo. Aleluia. Aleluia. Aleluia”. Nascidos de novo, uma verdadeira Páscoa da Ressurreição. “Não fiqueis a lembrar coisas passadas, não vos preocupeis com os acontecimentos antigos. Eis que farei uma coisa nova, ela já vem despontando: não a percebeis?” (Is 43, 18-19). Evidentemente, vos explico: “As coisas passadas” neste contexto pessoal não são o Carisma e a beleza da Comunidade Shalom, a quem terei sempre eterna gratidão e sempre amarei com amor filial, mas as “coisas passadas” aqui correspondem ao que, por muitas ocasiões, tentou ofuscar a vontade de Deus na minha vida. E essas coisas não vinham de fora e “nem dos outros”, mas de dentro de mim. “Senhor, eu darei a minha vida por ti!” Respondeu Jesus: “Darás a tua vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: o galo não cantará antes que me tenhas negado três vezes” (cf. Jo 13, 36-38). Quanta alegria encontrar o caminho do túmulo nesta manhã – quando ainda era noite, como diz a Palavra – e, para a minha surpresa, encontrá-lo vazio: os meus pecados não venceram Jesus. Jesus venceu os meus pecados! É exatamente esta a Obra Nova que desaponta e eu a vejo! Sim, tenho consciência, esta Ressurreição de Jesus ainda precisa crescer e ganhar força dentro de mim e nas minhas ações, como diz Frei Patrício Sciadini: “Nem sempre tenho o coração livre. Também não é sempre que consigo ver Cristo Ressuscitado nos meus irmãos que lutam e se levantam dos seus pecados enquanto permaneço deitado no chão”.  Porém, de uma coisa eu tenho absoluta certeza: eu provei a força da gratuidade de ser amado apesar de meus delitos. A cruz é testemunha disto! Posso até negá-lo outra vez, mas não pela presunção de quando achei que “daria a minha vida por ele com minhas próprias forças”. No entanto, a Ressurreição de Jesus é um contínuo processo no qual ouvimos d’Ele: “Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá!”
Chegamos à manhã do Grande Dia. Feliz Páscoa aos amigos e amigas destas humildes “linhas e reticências”.
Ant. Marcos – Páscoa da Ressurreição 2011

Também pensei muito na vida de Jesus...

Além da riqueza das celebrações litúrgicas da Igreja no Tríduo Pascal, ocasião em que foi operado o mistério da nossa Salvação, permitindo assim com que esse mistério seja atualizado nas nossas vidas no hoje, Deus também concede a cada um o itinerário espiritual através do qual deseja nos conduzir a uma experiência pessoal com a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Literalmente é um itinerário pessoal, mas que não dispensa os atos litúrgicos, e sim, ajuda a vivê-los mais intensamente. Escolhi para o meu Retiro Pessoal nesta Semana Santa os textos do Pe. Raniero Cantalamessa, que constituíram as quatro pregações da Quaresma para o Santo Padre e para a Cúria Romana. Os mesmos seguiram o fio condutor da Primeira Encíclica do Papa “Deus Caritas Est”. As meditações foram desenvolvidas a partir da compreensão do “amor Ágape e Eros”, no contexto de nossos dias, na vida da Igreja e na vida de cada um dos batizados. Um realismo impressionante em cada pregação. Um verdadeiro itinerário de retiro pessoal. Confesso que rezei cada dia com essas Pregações e Deus operou muito na minha vida. Alguns momentos foram de lágrimas, de pedido de perdão, mas sem faltar um único instante o consolo de Deus. Também pensei muito na vida de Jesus, especialmente nesses dias de dor e morte, que culminou com a Ressurreição. Como diz o Pe. Cantalamessa: “Tudo pode ser questionado, todas as certezas podem nos faltar, mas nunca esta: Deus nos ama e é mais forte do que tudo. ‘O nosso auxílio está no nome do Senhor que fez o céu e a terra’”. Aliás, Jesus tinha essa absoluta certeza: O Pai silenciou na hora da cruz, mas em nenhum momento Jesus deixou de acreditar que Deus o amava. 

Ant. Marcos – Tríduo Pascal 2011     

Tantas páginas bonitas no nosso livro existencial


No Dia Mundial do Livro, 18 de abril, eu me encontrei a pensar no “Livro da Vida”, ou seja, não esse que compramos ou ganhamos de presente dos amigos, o livro de papel, mas aquele que consta as páginas de nossa existência, as páginas que cada um está escrevendo pessoalmente. É certo que os livros convencionais exercem uma função específica na vida, especialmente quando estão correspondendo a alguma necessidade fundamental, desde o aprendizado escolar, acadêmico ou o simples prazer do conhecimento humano e espiritual. Alguns livros passam rápido por nossas mãos. Tem gente que nunca gostou deles. Já outros os amam demais! Amamos este e não gostamos daquele. Tem gente ainda que gosta de juntá-los, formando assim o acervo pessoal e outros gostam de lê-los e depois presentear os outros. Bem, quanto ao livro da vida, este é um dom de Deus por excelência. Não o recebemos dos outros nem compramos, Deus no-lo concedeu. Nós o escrevemos por toda a vida, do nascer ao definhar. Não escrevemos letras de tinta, mas a nossa própria história. A verdade é que o livro da vida tem páginas horrorosas, mas não devemos rasgá-las, rasurá-las, escondê-las. A gente sabe bem das muitas quedas que tivemos e outras que ainda possivelmente as teremos. Quantas bobagens nós praticamos. Quem de nós é capaz de dizer que nunca fez besteira, e o pior, sabendo que estávamos errados. No entanto, o que passou, passou! Por que ficar preso ao passado? Por que ficar remoendo as coisas ruins de nossa história? É importante e indispensável que tenhamos aprendido com essas páginas horrorosas e não nos envergonharmos delas a ponto de nos paralisarmos quanto ao novo que podemos viver! Tem tantas páginas bonitas no nosso livro existencial, tanta coisa linda, tantas coisas louváveis e que passaríamos dias e noites sentados com quem amamos a partilhar nossa vida. Olhe as páginas bonitas e agradeça a Deus todos dias por elas. Construa uma coisa nova! Peçamos ao Espírito Santo a graça de nos afastarmos de tudo o que separa de Deus e de nos aproximarmos de tudo o que une a Deus. Hoje eu pude rever as páginas bonitas da minha vida e que tantas pessoas me ajudaram a escrevê-las quando me dedicaram a doação de suas vidas e a amizade. Obrigado meu Deus! Quantas páginas bonitas existem no meu livro da vida!
Ant. Marcos – 14 de abril de 2011.

Em algum momento nos encontraremos...


Também a Semana Santa são dias de silêncio. Confesso que eu desejei muito que esses dias chegassem, não no calendário simplesmente, mas na minha vida, evidentemente. O amor ou os “nossos amores” têm seu objeto. Não há por que traí-los, ainda que sejamos infiéis. Nossas infidelidades não devem justificar a decisão de desistir. Daí que a gente se aproxima de alguns personagens nesses dias santos. Com quem mais você se identificará nesta Semana Santa: com aquele homem que cedeu o jumentinho e cobrou uma explicação dos apóstolos, com Judas, com o dono da casa que cedeu a sala para a ceia, com Pedro, Pilatos, Anás, Caifás, Barrabás, Maria mãe de Jesus, Maria de Betânia, Simão Cirineu, João, José de Arimatéia, o bom ladrão, o mau ladrão? Não sei a sua resposta! Deus te ajudará a viver essa identificação, não como algo simbólico, mas como vivência do mistério, processo de transformação. Que esses personagens nos ajudem na configuração com Jesus. Sim, porque até mesmo quando me sinto um “mau ladrão” tenho diante de mim a oportunidade de ser salvo. Minha liberdade decidirá: murmurar ou pedir que tenha o Senhor misericórdia de mim! No entanto, algumas coisas nos desconcertam porque a lógica desses dias escapa à nossa. A traição de Pedro não foi o fim. Judas foi chamado de amigo na hora da traição. Um malfeitor ganha a salvação nos últimos instantes da sua agonia. Meu Deus, esses dias falam tanto de misericórdia e gratuidade. São dias muito especiais de graça a Semana Santa, especialmente o Tríduo Pascal. Não fiquemos presos às perguntas, ao que não entendemos, muito menos às nossas fraquezas, mas acompanhemos os passos de Jesus, ainda que distantes e tomados de medo. Desejo que você viva bem esses dias, viva-os – como disse Frei Patrício – como sendo o melhor retiro espiritual pra sua vida. É bem verdade que encontramos nesses dias também os nossos “inimigos” e os nossos amigos. Não se trata de uma celebração estéril a Semana Santa, mas de encontros e confronto com as nossas decisões e valores. Em algum momento olhamos o rosto dos que conhecemos. São tão misteriosos esses dias, tão atuais, tão reais..., talvez explique o meu desejo que tão logo eles chegassem. Desejo-te, então, uma feliz Semana Santa! Não sei onde e quando nos encontraremos, só espero que quando isso acontecer, o nosso coração esteja a pensar unicamente na vida do Mestre. A nossa vida não depende dos nossos encontros e desencontros, mas do sim de Jesus. É para Ele que serão atraídos todos os rostos quando for erguido no madeiro da cruz. Nossa Senhora nos acompanhe e nos ajude a viver bem o mistério da nossa salvação. Aquela bendita e esperada manhã de Domingo chegará!
Ant. Marcos – início da Semana Santa 2011

Amigo, a que vieste?

É chegada a hora. O tempo de dormir e descansar chegou ao término. Jesus diz aos discípulos: “Eis que chegou a hora e o Filho do Homem é entregue nas mãos dos pecadores. Levantai-vos! Vamos! Aquele que me vai trair, já está chegando” (Mt 26, 44-46). O texto das Escrituras é muito claro: Jesus tinha consciência de que seria traído. A hora do pesadelo se aproximava. Não penso que essa consciência tenha sido algo pronto, embora Jesus fosse Deus, mas que sua intimidade com o Pai o preparou para os algozes, inclusive para as traições dos homens, daqueles a quem amava. Jesus não fugiu da dor, porque sabia que ela tem sua dimensão redentora. Geralmente a dor e a traição, o abandono, a covardia, as injustiças e as mentiras que sofremos nos abatem, especialmente quando elas provêm de quem não esperávamos. Jesus encontrou forças no silêncio com Deus, ainda que não tenha tido a vigilância dos seus amigos nas horas que mais precisou. Só a oração e a confiança na graça de Deus nos fazem ter a mesma decisão de Jesus: ficar de fé e seguir adiante. Enfrentar as nossas dores, viver a nossa “paixão”, na certeza de que ela nos levará à Páscoa! Não acredito que eu não possa viver isso! Mas acredito que se eu não rezar e não confiar, jamais terei condições de olhar nos olhos e dizer na hora da prova: amigo... 
Ant. Marcos – Domingo de Ramos 2011

Quem é este homem?

Quando Jesus entrou em Jerusalém a cidade inteira se agitou, e diziam: “Quem é este homem?” (Mt 21, 10). Confesso que isso me assustou, essa reação do povo. Uma cidade tão barulhenta, de peregrinação contínua, de grandes festas, de “messias”, por que a pergunta sobre Jesus? Confesso que também me assustei com sua ideia de entrar na cidade montado num jumentinho, que coisa ridícula! Caminhei ao lado deste homem, presenciei curas, milagres, ressurreições, fatos extraordinários e fiquei desconcertado diante de suas sábias palavras e da sabedoria com que se livrara tantas vezes de opositores. Agora, chegando aqui, querendo com ele a fama, esperando uma entrada gloriosa, ele me surpreende com sua decisão. As coisas começam a ficar confusas na minha cabeça, mas, pra minha surpresa, as pessoas o aclamam “bem aventurado aquele que vem em nome do Senhor!” Que estranho. Essa sua pobreza, essa maneira de viver o reinado parece mostrar uma força escondida e despertar anseios e desejos. Achei que conhecia aquele com quem partilhei noites e dias da minha existência e agora meu coração começa a perguntar também: “Quem é este homem?” Será mesmo que eu o conhecia? Mas estávamos juntos de Nazaré até aqui, será que fiquei tanto tempo ao lado de Jesus sem conhecer realmente sua identidade, seu coração, suas intenções? “Quem és tu, Senhor? Quem sou eu?” Para que nos trouxe a esta cidade? O que vai acontecer conosco? Estou com medo! Seja lá o que for eu só te peço uma coisa, Senhor: não deixe que eu volte atrás, ainda que eu te negue! Permita-me viver os teus mistérios! Eles me assustam, confesso, mas eu quero viver a tua páscoa, minha páscoa, quero te conhecer verdadeiramente, e se para isso tenho que passar pela Paixão e Morte, sustenta-me. Só Te peço isso: sustenta-me!
Ant. Marcos – Domingo de Ramos 2011

Estejas no meu caminho...


O mistério pespassou o tempo e nunca descobrimos realmente o que Jesus escrevia com o dedo no chão quando lhe trouxeram aquela mulher pecadora (cf. Jo 8,1-11). Descobrir este segredo foi um tema de labuta dos exegetas e escritores espirituais ao longo dos séulos até nós. Alguns interpretaram que aquelas palavars no chão se tratavam dos pecados dos que queriam apedrejar a mulher adúltera. Entretanto, o que sabemos ao certo é que ela era culpada e merecia – mediante a “pesada Lei” que movia sua Sociedade e a Religião -, ser punida por seu pecado, o contrário de Susana, a israelita inocente salva por Daniel (cf. Dn 13, 41ss) O escândalo do flagrante e a humilhação pública já eram demais, ainda assim ela não foi poupada pela justiça religiosa dos homens. Acontece que jamais ela esperava ser absolvida, se regenerada, abraçada, amada e perdoada, exatamente ali, aos olhos de todos. “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra” (Jo 8,7). Diante das inesperadas e desconcertantes palavras de Jesus os acusadores se retiraram. Diante de Jesus restou unicamente a pecadora humilhada e a misericórdia de Deus. Um encontro de salvação, um mistério de amor. Senhor, estejas sempre no meu caminho quando “os dedos da minha consciência e do julgamento dos homens” me acusarem de que sou digno da morte.
Ant. Marcos -  útlima semana da Quaresma 2011

Refletindo minhas barbáries...


Acho que há tempos não chorava tanto como no último dia 07 de abril, ao me deparar com aquelas imagens de dor e sofrimento das famílias, diante da notícia de que seus lindos e pequenos filhos foram brutalmente e covardemente assassinados dentro da Escola, lugar para o qual se vai para aprender a crescer como pessoas, como cidadãos, colaboradores da paz e do progresso, como homens e mulheres que futuramente terão a alegria de contarem aos filhos que estudar e aprender são muito mais que decorar para fazer avaliações. É lá que se dá a principal continuidade do exercício da descoberta e do aprendizado, inclusive com os outros que não são nossos familiares, mas são irmãos, são próximos, são coleguinhas que estão ali para crescerem juntos conosco. Entram cada dia na escola cheios de esperança, curiosidades, expectativas, e esperam sair delas, no final da aula, mais amadurecidos, crescidos depois de nova pequena jornada de novas experiências, o que vai se repetir ainda por anos. Uma coisa deve sempre estar na cabeça de um aluno ao entrar na escola: as pessoas aqui estão querendo unicamente o meu bem, a minha proteção, o meu sucesso e felicidade. Jamais ele espera que aquele ambiente seja o palco de preconceito, de rejeição, de exclusão, muito menos de violência. Ele deve ainda ter consciência e a certeza de que tem vez e voz como aluno, por menor que seja, por mais diferente que se mostre, sempre merecerá respeito. Nem sempre age como gostaria e sabe que o professor precisa chamá-lo a atenção com diálogo e caridade e, se preciso for, chamá-lo depois para uma breve conversa de motivação para se aproximar mais daquele coração e mente que podem estar escondendo algumas dores, alguns já desencontros na sua vida que ainda está nos primeiros anos. Quando somos alunos - como criança, jovem ou adulto - sabemos como é bom chegar a hora do toque final e irmos para casa. Daí que nunca esperamos que a aula seja interrompida de forma trágica. Nunca se espera que uma criança ou adolescente tenha que fazer de sua carteira ou sala de aula um escudo de proteção como se fosse um bandido. A sala de aula como um palco do terror é impensável, inadmissível. Morrer dentro dela foge a toda lógica racional. É duro demais depararmo-nos com isso! Contemplando a vida de minha linda e pequena sobrinha, Ana Raissa, lembrava aquelas vidas e sonhos interrompidos tão cedo. Sobra perplexidade e faltam razões objetivas para justificar tamanha monstruosidade. Perdão, Senhor, se essas linhas sejam “um remoer desnecessário”, não é isso, apenas como pessoa humana e cristão, como professor de filosofia e aluno de teologia, reflito o impacto desta tragédia dentro de mim, pois levaram-me a muitas reflexões sobre a vida, o sentido de nossas ações, nossas enfermidades escondidas, nossas mentes doentes; sobre a falta de perdão, a vingança, a incapacidade de administrar as perdas e as ofensas, como também sobre a nossa relação com a religião, com o sagrado, com os valores que devem ser citados para fazer o bem e não para justificar a tragédia. Tenho refletido sobre essa invocação a Deus que fazemos, inclusive, “o pedido de perdão enquanto matamos”, e ainda essa falsa concepção de que "encontramos a verdade", mas continuamos a caluniar e destruir os outros, tudo tão friamente, tudo tão “religiosamente”. Refleti minhas barbáries, quando também “matei os outros” com minhas mentiras e omissões, com minha infidelidade a Deus e aos meus propósitos, quando as pessoas ao participarem de minha vida não encontraram espaço e apoio para crescerem e serem ajudadas na cura de “suas doenças”, e foram assim almejadas em suas sensibilidades e confiança. Há tantas formas de barbáries, as veladas nem sempre doem menos. Elas também nos fazem chorar e sofrer, porque também matam. No entanto, sei muito bem podemos extrair delas lições que sirvam pra vida toda. A tragédia nunca pode ser justificada, mas nem por isso ela deixa de ser uma oportunidade pra gente refletir e ser melhor.
Ant. Marcos – abril de 2011 (Quaresma).

Quantos delírios ao nosso lado...


É comum deperarmo-nos nos diversos ambientes e grupos sociais com pessoas que estão fazendo suas atividades sem saberem por que as fazem. Sou professor de filosofia e tenho constatado isso em alguns dos meus alunos, mas não somente na área da educação, mas na Família, nos ambientes de trabalho, na Faculdade, na opção religiosa, nos relacionamentos, inclusive no casamento. Essa ausência de sentido para com nossas escolhas, com aquilo que dedicamos nossas forças, é mesmo um contexto lamentável em nossos dias. Perder o sentido também é trágico. Acordar, comer, trabalhar, estudar, comprar, assistir a programação da TV, estar na internet, relacionar-se com os outros, usar o celular, ver o mundo e seus dramas, infelizmente, tudo parece tão mecânico na maioria das pessoas. A capacidade de assimilação dos valores e dos próprios limites vai sendo diminuída, consequentemente ficamos insensíveis às dores dos outros, aos que padecem ao nosso lado, aos que se isolam da vida e de todos. Da mesma forma as diferenças dos outros, as qualidades e fraquezas dos que convivem ao nosso lado parecem nos incomodar ao ponto que as vemos como empecilho até decidirmos bani-las da nossa visão interna e externa. Não saber as razões do que faço, não ter um norte, um sentido, uma motivação positiva para com os meus empreendimentos pessoais e coletivos é mesmo um grande perigo. Esse perigo será maior quando chegarem as decepções, as frustrações e perdas. Evidentemente, quando as consequências de uma falta de sentido se junta aos problemas psíquicos, a um distúrbio mental (por menor que seja) e não somos ajudados a tempo, podemos chegar ao extremo da barbárie como chegou o jovem Wellington Menezes, ao disparar mais de 60 projéteis contra crianças e adolescentes, Rio de janeiro, manhã do dia 07 de abril. Tudo de forma fria, premeditada, fruto de uma mente calculista, doente, vingativa, que processou suas ausências de forma velada. Como dizem os especialistas, analisando a situação: “Uma vida largada no mundo, transitando sozinha, desenvolvendo a doença, sem deixar que ninguém tivesse acesso”. Mas é verdade que nós estamos muito destreinados para o isolamento dos outros. Basta perceber os desconfortos que causam em nós uma pessoa chata, silenciosa demais, carrancuda, misteriosa, antipática, “feia”, suja, pobre, “negra”, temperamental. Ficamos “desesperados”, muitas vezes, quando a situação nos pede para quebrar o gelo – caridosamente - de alguém que incomoda de alguma forma. Mais fácil e prático é ignorar, nos enclausurar no nosso mundinho, nos nossos pequenos e seletos grupos de convivência. “As pessoas estão delirando ao nosso lado e a gente não está enxergando”, diz a educadora Bernadete Porto. É verdade, uma pessoa “calada ou que chama a atenção demais” pode ser uma forma de gritar por socorro, um sinal de que precisa de ajuda, ainda que não admita e não queira. Como lhe dar com as diferenças dos outros? Eis uma das perguntas mais importantes e não tão fácil de ser respondida nos nossos dias. Nossas ações, pensamentos e atitudes nunca foram tão complexos. Nunca tivemos tanto repúdio ao diferente. Nunca desrespeitamos tanto as opções dos outros. Também a nossa sensibilidade está à flor da pele, ao ponto que não dá nem tempo pedir desculpas ou perdão e logo vem a reação, a vingança, a violência, “as respostas prontas” que são processadas no imediatismo e não na assimilação de um coração e mente que enxerga “o outro como alguém que é parte de mim”, como falava João Paulo II. E em meio a isso existem as pessoas que ficam incomodadas com quem é alegre, feliz, realizado e encontrado. Até as pessoas felizes precisam entender que incomodam não só positivamente, mas negativamente. Isso deve servir para que tenham consciência que ser feliz é enxergar o outro e se comprometer com suas chagas, escutar os seus gritos e conectá-los à voz do coração e do amor de Deus. Saibamos transformar tudo em sentido de vida e, o mais importante, aprendamos a comunicá-lo aos outros, ajudando as pessoas a acreditarem que podem ser melhores ao se deixarem amar e aprenderem a amar.
Ant. Marcos – 09 de abril de 2011.

O amor explica, e não as palavras...


Felicitar-se com a vida dos que amamos é mesmo uma ocasião muito especial de ação de graças, ainda que não estejamos juntos. É o ato festivo da memória que vai além de uma simples recordação e que nos permite viver a celebração interior marcada pela gratidão, pela alegria, pelos gestos e pela oração. Celebrar é próprio do amor. Sim, não estamos no cotidiano da vida de muitos que amamos, mas não significa que essas vidas não estejam nos alcançando, nos edificando, nos sustentando até, seja pela própria satisfação provocada pelo vínculo consistente da amizade e do amor, seja pela dimensão da fé, da comunhão com os mesmos princípios, pelo caminhar rumo à mesma meta: o céu. A gratuidade do amor que brotou do madeiro da Cruz, talvez seja mais fácil compreender, talvez não. Só Jesus podia nos salvar e Ele decidiu nos salvar gratuitamente, ao ponto que continua nos amando mesmo quando o negamos! A gratuidade dos que nos escolhem como amigos e continuam nos amando, não obstante nossas infidelidades, tem algo parecido – apesar da incomparável diferença -, porque os amores autênticos se aproximam e se confundem, tornam um só amor: “Quem diz que ama a Deus e não ama o seu irmão, é um mentiroso!” (cf. Jo 15,20). Não temos a exata noção do que acontece dentro do outro quando o cativamos, quando o conquistamos. São impressões misteriosas que só o amor explica, e não as palavras. Celebrar a vida dos que amamos é também ter aquela certeza de que somos felizes, não porque temos isto ou aquilo, porque somos ou sabemos algo, mas porque alguém ocupa sentido na nossa existência. Dizer “feliz aniversário” deveria ser mais que recordação de uma data, mas renovação do amor, daquela alegria incomparável que acontece no coração de quem se deixa cativar e de quem consegue cativar uma vida. Os dias estão difíceis, as pessoas estão aglomeradas e “conectadas”, ao mesmo tempo sozinhas, por isso necessário se faz termos aqueles que existam significativamente dentro de nós e não termos medo de manifestarmos a eles o nosso amor. 

Ant. Marcos – abril de 2011